CURSO O PENSAMENTO DE KARL MARX:
Inscrições até o dia 22/06.
Início do curso dia 24/06.
Todas as informações estão no cartaz.
Blog voltado para discutir, analisar, divulgar, a Sociologia Clássica, de Marx, Durkheim e Weber.
CURSO O PENSAMENTO DE KARL MARX:
Inscrições até o dia 22/06.
Início do curso dia 24/06.
Todas as informações estão no cartaz.
Nildo Viana
O presente artigo visa refletir sobre o
ensino dos autores clássicos na educação superior, mais especificamente os
clássicos da sociologia nos cursos de ciências sociais. Um conjunto de questões deve ser feitas nesse
caso: o que são os clássicos? Como eles são definidos e por quem? Qual sua
importância? Como isso ocorre no caso da sociologia? Como ensinar os clássicos
na sociologia no ensino superior? Qual sua relevância e necessidade? Estas e
outras questões remetem a diversas outras e por isso buscaremos tratar essa
questão em dois momentos: num primeiro momento vamos discutir a questão dos
clássicos em geral e, num segundo momento, vamos discutir a questão do ensino
dos clássicos da sociologia no ensino superior.
Por
que ler os clássicos
O título deste item é também o título do
livro de Ítalo Calvino (2007). Ele, em tal obra, analisa diversas obras
clássicas da literatura universal, e onde desfilam autores como Galileu,
Flaubert, Tolstoi, Dickens, Stendhal e vários outros. A sua discussão tem
relação com a nossa, mas mantém uma certa distância devido diferença de foco e
perspectiva. Contudo, alguns elementos em sua definição de obras clássicas
serão úteis em nossa análise. Mas antes de colocar o motivo para ler os
clássicos, é importante esclarecer alguns elementos, tal como o que é um
clássico? Quem define uma obra ou autor como clássico? Qual sua importância?
Este último elemento já adentra na questão do motivo para ler os clássicos.
O primeiro ponto a se discutir é: o que é
um clássico? Não vamos apresentar diversas definições e concepções a respeito
disso, mas tão-somente colocar nossa posição, o que não nos impede de remeter,
em muitos casos, a outros autores. No sentido geral, um clássico é uma obra ou
autor cujo conteúdo é uma fonte inesgotada de inspiração. Claro que este é o
sentido mais amplo que podemos fornecer ao termo. Vale tanto para obras como
autores, para obras literárias ou teóricas. A Bíblia é uma obra clássica do pensamento cristão. Contudo, ela já
não é clássica para o pensamento marxista. Já o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, é uma obra clássica da
política, mas não da religião. A obra de Lima Barreto, O Triste Fim de Policarpo Quaresma, é uma obra clássica da
literatura brasileira, mas não da italiana. Isso quer dizer que o caráter de
clássico de uma obra varia de acordo com o contexto e a existência de uma
consciência e reconhecimento social das mesmas.
O nosso objetivo aqui não é analisar os
clássicos em geral e sim uma forma específica de sua manifestação. Por isso, a
nossa definição inicial é generalizante. É preciso especificar o que é um
clássico no âmbito do pensamento teórico, científico, filosófico, pois nesses
casos eles se assemelham. Nesse âmbito, um clássico é uma fonte inspiradora
inesgotada para análise e explicação da realidade. Trata-se de um saber
fundador, original, que abre novas perspectivas e horizontes
teórico-metodológicos. Esse é o caso de Marx, Weber e Durkheim na sociologia;
bem como o de Freud na psicanálise e Saussure na linguística. Eles são autores
clássicos por serem fundadores, originais, e por isso são fontes inspiradoras.
Nesse sentido, Calvino está correto em dizer que “um clássico é um livro que
nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (2007, p. 11).
Nesse sentido, um clássico é uma obra
passada, mas sempre atual, ou seja, é datado e histórico e, ao mesmo tempo,
devido sua profundidade, mantém atualidade. Segundo Calvino, “é clássico aquilo
que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo
tempo não pode prescindir desse barulho de fundo” (2007, p. 15). Se ele não
dissesse nada sobre a atualidade, teria interesse puramente histórico, seria
ultrapassado. E aí podemos distinguir entre os clássicos universais e os
clássicos particulares. Os clássicos universais são aqueles cuja contribuição é
tão fundamental e permanente que é o verdadeiro clássico, manifestação
universal e não algo que é construído social e historicamente, sendo
passageiro. Os clássicos particulares são justamente os passageiros,
construções sociais e históricas produzidas por determinações da época, dos
interesses dominantes, do poder financeiro, etc. Obviamente que dificilmente
haverá consenso sobre quem é clássico universal e quem é particular. Para um
marxista, Marx é um clássico universal e Weber é um clássico particular,
enquanto que para um weberiano, Weber é que é o clássico universal e Marx um
clássico particular. Isso ocorre devido ao fato de que nossas concepções são
históricas, datadas, e sofrem “múltiplas determinações”. O que interessa é
entender que, superando as determinações que ao invés de reconhecer a verdade a
ofuscam, podemos tentar descobrir quem é clássico universal. Por enquanto,
apenas colocaremos isso e deixaremos à consciência de cada um decidir quem
considera clássico universal ou não.
Mas o nosso foco aqui não são obras e sim
autores. Sem dúvida, as obras clássicas tendem a ser dos autores clássicos, mas
existem, dependendo do algo ao que a obra é clássica, exceções. É possível
dizer que Ideologia e Utopia, de Karl
Mannheim é uma obra clássica da sociologia ou que Sociologia dos Partidos Políticos é uma obra clássica sobre
partidos e nenhum dos dois autores é clássico da sociologia. Um autor clássico
(universal ou particular) produziu obras que são uma fonte inspiradora
inesgotada devido sua profundidade e originalidade, fundando uma nova forma de
ver o mundo ou a sociedade, abrindo novas perspectivas e horizontes
metodológicos e teóricos, como já dissemos. Entrariam nessa categoria aqueles
que Kneller qualificou de espíritos inventivos, originais, que produzem uma
hipótese após outra, e defendem com confiança (até agressividade) as ideias
produzidas, o que é necessário devido à oposição que normalmente ideias
originais encontram[1].
Ele se distingue do saber estruturante e inovador, embora esse possa ser
clássico em sentido relativo e também do saber vulgar ou ritual, bem como do
saber científico vulgar e ritual (Viana, 2010).
O saber clássico é o que gera uma nova
concepção de mundo, ciência particular, teoria de algum fenômeno social ou da
totalidade da sociedade. Ele produz novos horizontes teóricos ou científicos
(Viana, 2010). Louis Althusser colocou isso bem ao afirmar que Marx descortinou
o “continente história” e Freud o “continente do inconsciente” (Althusser,
1991; Viana, 2010). Os autores clássicos são pensadores que, descobrem
continentes. O saber inovador ou estruturante é o que gera novas teses,
conceitos, integrados ao saber clássico já existente, tal como no caso de
Korsch no caso do marxismo ou de Melanie Klein no caso do freudismo (Viana,
2010). É um tipo de saber que inova apesar de sua filiação a um saber clássico,
seja aplicando as teorias a casos concretos, seja desenvolvendo novas teorias
sobre aspectos não trabalhados anteriormente no pensamento clássico, etc. Aqui
se incluiria o que Kneller chama de “empiristas” e também o que denomina
“intermediários”, mais teóricos[2].
Contudo, para definir se uma obra, autor
ou pensamento é clássico não é suficiente sua profundidade e veracidade. Se um
pensador excepcional (alguns diriam um “gênio”) produzisse uma obra também
excepcional formando uma concepção rica e importante para a compreensão da
realidade, isso não faria dele um clássico se ele não publicasse suas obras, se
não fosse conhecido por ninguém, ou, ainda, fosse simplesmente menosprezado
pelos demais (seja seus pares, a imprensa, a população em geral, etc.). Aí
entra o outro elemento que complexifica a questão do que é ou não clássico.
Além de ideias profundas, originais e inovadoras, para ser clássico é
necessário o reconhecimento social. Nesse sentido, um pensador se torna
clássico não somente quando produz ideias sólidas e inovadoras, que abrem um
novo campo de pesquisa e se torna base para futuras análises, reflexões e
pesquisas, mas também quando recebe reconhecimento social, seja por expressar
necessidades sociais (gerais ou particulares, ou seja, da sociedade como um
todo, de uma classe social, de um grupo social, de uma instituição, etc.)[3]. A produção social dos
clássicos apresenta a primazia das necessidades sociais. É por isso que não são
apenas os clássicos universais que são clássicos, mas também os clássicos
particulares, pois estes satisfazem as necessidades de determinadas épocas,
grupos, etc. Ou seja, um clássico é produto das necessidades intelectuais e das
necessidades sociais, sendo que esta última tem a primazia e é por isso que se confundem
clássicos universais com particulares e surgem “falsos clássicos”. Estes
últimos são tentativas artificiais de tentar tornar um autor, obra, etc. em
clássico, mas sem expressar o que realmente significa o clássico, sejam as
necessidades intelectuais que satisfaz ou as necessidades sociais, ou em alguns
casos a ambos. Vamos voltar a isso quando discutirmos os clássicos da
sociologia.
Por fim, resta saber qual é a importância
de ler os clássicos. Claro que a importância de ler um clássico universal – no
caso específico do pensamento teórico – é por demais evidente: é um meio de
acesso à compreensão e explicação da realidade que, sem ele, ficaria muito mais
difícil e trabalhoso, pois seria necessário reinventar a roda para depois poder
usá-la num contexto em que ela já existe. É por isso que um clássico universal,
por mais que o poder, grupos, etc., tentem silenciá-lo, ele, depois de ser
reconhecido como clássico, dificilmente pode ser esquecido ou silenciado
totalmente. Sempre ressurgirá, como fênix, das cinzas.
Contudo, mesmo no sentido mais lato do
termo clássico, incluindo os clássicos particulares, é fundamental sua leitura,
estudo, pesquisa. A leitura dos clássicos é necessária devido a: a) ela é
condição de possibilidade de produzir novo saber (original ou meramente
inovador); sem Marx não existiriam os marxistas, sem Freud não existiriam os
freudianos, etc.; sem a crítica e superação – que pressupõe domínio de suas
ideias – não se produz novos clássicos. b) ela é necessária para o domínio da
história do pensamento e da cultura ou de determinada ciência, disciplina,
concepção (quando se trata de um saber clássico relativo a uma determinada
ciência particular, etc.). Um linguista que não conhece Saussure, um sociólogo
que não conhece Marx e Weber, possui uma formação limitada, incompleta,
deficiente. c) ela manifesta determinadas necessidades acadêmicas,
profissionais, disciplinares. Formar em curso superior, provas, exames,
concursos, ser professor, dominar o conteúdo de sua disciplina, etc. Essa
necessidade mais prosaica de leitura dos clássicos é mais pragmática e está
relacionada diretamente como a questão da profissão e do ensino e aprendizagem.
d) ela também permite ampliar a erudição, o que possibilita desenvolver o saber.
Os clássicos da sociologia, por exemplo, eram todos eruditos (com suas variações,
obviamente), pois o saber original pressupõe certa erudição e a leitura de
eruditos permite se aproximar deles. e) ela é necessária para a compreensão e
explicação da realidade, caso se trate de um clássico universal. Além destas
razões, seria possível elencar diversos outros motivos para a leitura dos
clássicos, tal como o desenvolvimento intelectual próprio, a satisfação de ter
acesso a autores que refletiram sobre a realidade ao invés de simplesmente
descrevê-la, etc.
Os
Clássicos da Sociologia e o Ensino Superior
A superação de uma mera formação ritual
pressupõe um domínio do campo de estudo e/ou da disciplina para o qual o
indivíduo esteja adquirindo sua titulação. A formação de um economista,
geógrafo, linguista, para citar poucos exemplos, significa que o indivíduo
depois de terminado seu curso, domine sua ciência particular, o que significa
conhecer os autores e obras clássicas desta disciplina, bem como ter noção dos
precursores, fundadores, história da disciplina, discussões contemporâneas principais,
aspectos metodológicos, principais teorias. Um curso que não proporcione isso
como exigência básica (o que pressupõe sua presença na grade curricular,
profissionais aptos para o seu ensino, incentivo à pesquisa e elementos extra
sala de aula, etc.) é um curso deficiente e que se dedica a uma formação
deficiente e meramente ritual. Para haver uma formação estrutural são necessários
os elementos acima elencados, e, dentre eles, é fundamental o ensino dos
clássicos. Sem dúvida, alguns podem repetir a ladainha que certamente leram de
segunda mão, através de Alexander (1999) ou Cohn (1977), segundo a qual, “a
ciência que hesita em esquecer seus fundadores está perdida”, pronunciada por
Alfred North Whitehead. Whitehead é um filósofo da ciência com foco na
matemática e por isso não serve de exemplo para as ciências humanas, além do
equívoco da afirmação no próprio campo das ciências humanas. Poincaré, por sua
vez, que afirmou que a sociologia possui muitos métodos e poucos resultados.
Além de Poincaré não servir de referência para as ciências humanas devido sua
pouca compreensão das mesmas e ser questionável inclusive no âmbito das
ciências naturais, seria bom perguntar quem seria ele e Whitehead sem os seus
predecessores, a quem eles menosprezam e que basta ler suas biografias para ver
a importância. Gabriel Cohn coloca uma posição mais adequada ao citar Alvin Gouldner,
que é a seguinte: “para se esquecer algo é preciso primeiro tê-lo conhecido.
Uma ciência que ignora seus fundadores é incapaz de saber quanto caminhou e em
que direção. Ela também está perdida” (Apud. Cohn, 1977, p. 2). Quanto à
afirmação de Poincaré, Cohn afirma que a resposta de Gouldner é suficiente,
apesar dela ser repetida até os dias de hoje, “por figuras de importância
científica bem menos formidável e, portanto, menos qualificadas para se darem o
luxo de dizer tolices” (Cohn, 1977, p. 2).
As razões aludidas por Gouldner são boas,
mas tocam em apenas um aspecto, que é o conhecimento da história da disciplina.
Esse aspecto histórico é fundamental, contudo, ele não abarca os outros
aspectos discutidos anteriormente sobre o saber clássico. As obras dos
clássicos – graças ao reconhecimento social – perduram, os contemporâneos
passam. No caso da sociologia, as obras de Marx, Weber e Durkheim continuam
sendo referências e fontes de inspiração, enquanto que as obras de outros que
lhes sucederam, ou foram superadas ou tiveram influência limitada. O
funcionalismo de Parsons e Merton, além de sua área de influência ser mais
limitada em termos regionais, teve vigência nos anos 1950 e logo foram
esquecidos e objetos de crítica e superação. O mesmo vale para o estruturalismo
nos anos 1960. As modas passam, os clássicos ficam. E isso é mais claro ainda
devido ao fato de que os contemporâneos bebem na fonte dos clássicos. Bourdieu
faz uma síntese entre os três clássicos e basta ver as obras de Giddens e
Bauman para ver sua incessante discussão e retomada dos clássicos, sem falar da
Escola de Frankfurt e a presença de Marx ou o funcionalismo e sua referência a
Durkheim e Weber, entre milhares de outros exemplos.
Os clássicos são fundamentais para todo
estudante de sociologia pelos motivos já elencados e não apenas para reproduzir
o que eles disseram – pois o fato de serem clássicos não quer dizer
“inquestionáveis” ou que tudo que disseram seja verdade (mesmo porque,
principalmente no caso da sociologia, em muitos pontos eles são antagônicos).
Contudo, os grandes sociólogos contemporâneos são anões se comparados com os
gigantes que são os clássicos. Da mesma forma, como bem disse Lucien Goldmann (1978),
se os anões subirem nas costas dos gigantes, irão ver mais longe do que eles.
Algo que seria impossível se os anões fizerem de conta que não existem
gigantes.
Após a constatação da necessidade
fundamental de ensino dos clássicos, então devemos discutir como fazê-lo. A
grade curricular deve ter pelo menos uma disciplina dedicada aos clássicos
(embora devesse ser mais de uma e isso pode ser resolvido com disciplinas
optativas sobre cada um dos clássicos, o que ampliaria a formação do aluno e
permitiria ao professor com formação incipiente reler e pesquisar e se
aperfeiçoar e para o professor já com domínio, a possibilidade de reler,
aprofundar e socializar o seu saber). A disciplina teoria sociológica clássica –
independente do nome que se lhe dê – assume o papel de disciplina principal nos
cursos de sociologia (graduação e pós-graduação). Logo, o seu ensino deve
sofrer um processo de reflexão mais profunda.
O primeiro ponto a se destacar é que o
objetivo central do estudo dos autores clássicos e sociologia, como em todos os
outros casos, é possibilitar sua compreensão por parte do aluno. Para conseguir
tal compreensão é necessário realizar uma reconstituição da experiência
intelectual do autor e perceber que o seu pensamento forma uma totalidade. Para
o aluno formar sua consciência do pensamento e da produção intelectual de um
autor clássico, esses dois elementos são fundamentais. Isso vale para um aluno
de graduação, pois é inadmissível que um aluno termine um curso de sociologia e
se torne sociólogo sem a compreensão dos clássicos.
A reconstituição da experiência
intelectual do autor, bem como a percepção da totalidade do seu pensamento
pressupõe romper com determinados problemas no ensino dos clássicos. Um destes
problemas é levar o aluno a ler apenas trechos ou capítulos de obras ou
utilizar apenas comentaristas. A totalidade do pensamento de um autor não pode
ser percebida com leituras limitadas, parciais de trechos ou capítulos de
obras. É preciso, no mínimo, a leitura das obras fundamentais de cada autor, de
forma completa. O argumento de que (no caso da graduação) se trata de
“calouros”, é sem sentido, pois se tratamos os outros como inferiores e
infantis, não contribuímos para que eles saiam deste estado. Ao invés de formar
“eternos calouros” é melhor começar a formar sociólogos ou cientistas sociais.
Por conseguinte, não se deve ler apenas o primeiro capítulo de As Regras do Método Sociológico, de
Durkheim e sim o livro inteiro, inclusive porque tem discussões sobre a questão
da causalidade e explicação nas ciências sociais que alguns sociólogos,
profissionais, ministram em disciplina de metodologia apelando para autores das
ciências naturais e demonstrando um olímpico desconhecimento que tal discussão
está presente nos clássicos e tendo como objeto não a natureza e sim a
sociedade. Os comentaristas podem ser utilizados, mas com cautela e senso
crítico, que, por sua vez, deve ser avisado aos alunos. Ao lado de livros
inteiros e capítulos de outros, um ou outro comentarista pode ser utilizado,
mas desde que não seja dos mais vulgares e problemáticos, manuais superficiais
e que transbordam um total desconhecimento e apenas repete lugares comuns. É
também necessário alertar o aluno que tal comentarista, assim como qualquer
outro, interpreta o autor e não é inquestionável sua interpretação (assim como
o próprio pensamento do autor clássico não é inquestionável). No caso de Marx o
caso é mais grave, pois devido sua posição política, inúmeros antimarxistas ou
conhecedores vulgares de sua obra tentam simplificar ao extremo sua concepção
para facilitar a crítica e o descarte. As acusações fáceis de determinismo
econômico, entre outras, apenas mostram desconhecimento da obra do autor e de
sua complexidade (e de uma consciência mínima do que seja a dialética tanto
hegeliana, fonte inspiradora, quanto a marxista). Autores que não são da
sociologia e que escrevem manuais precários e recheados de afirmações sobre
dezenas de autores não é nem preciso citar. Maria Lakatos e Paulo Dourado de
Gusmão (este último chega a escrever que existe um “monismo econômico” em Marx,
o que revela sua ignorância e não é apenas este autor que é vítima de tais “interpretações”).
Alguns livros introdutórios apresentam uma síntese mais fidedigna aos clássicos
(Viana, 2006), apesar de sua brevidade. Obviamente que existem comentaristas
mais sérios, tais como Julien Freud, autor de A Sociologia de Max Weber ou Anthony Giddens, autor de As ideias de Durkheim. No caso de Marx,
em idioma português, ainda falta uma obra que poderia ser considerada séria. Há
o livro de Karl Korsch, mas em alemão, francês e espanhol, cujo título é Karl Marx. É fundamental usar a fonte,
mesmo porque, é somente tendo acesso a ela que se pode concordar com as
diversas e antagônicas interpretações de um determinado autor.
Outro equívoco que se deve evitar – e que
é constante nos comentaristas – é a exposição do pensamento do autor de forma
cronológica. Não é possível reconstituir a experiência intelectual do autor a
partir da cronologia ou da sucessão de obras publicadas (ou produzidas, pois
existem as obras póstumas). A cronologia é importante para entender a evolução
intelectual do autor, como ele vai constituindo suas teses, conceitos e como
desenvolve suas teorias, realiza alterações, aprofundamentos, etc., bem como a
contextualização histórica[4]. Contudo, o ensino (assim
como os livros de comentaristas) a partir da sucessão das obras mostra, no
fundo, uma dificuldade de apreensão do que é fundamental no pensamento do autor
e da totalidade do seu pensamento. Para superar isso, é fundamental que o ponto
de partida da reconstituição da experiência intelectual do autor seja a partir
das preocupações fundamentais dos mesmos para se chegar ao desenvolvimento de
seu pensamento e concepção consolidada. Aqui não poderemos tratar disso, pois
necessitaria de um enorme espaço para discutir as preocupações fundamentais de
cada clássico da sociologia. Assim se preserva a unidade e totalidade do
pensamento do autor ao invés de recortá-lo e tornar o indivíduo e sua
consciência (manifesta em suas obras) uma colcha de retalhos incoerente e sem
sentido. Não se pode entender Marx sem saber de sua preocupação fundamental,
humanista e revolucionária, colocando-o como um cientista tal como Durkheim,
por exemplo.
Assim, o ensino da sociologia clássica
pressupõe uso das fontes e obras inteiras, reconstituição da experiência
intelectual do autor a partir de suas preocupações fundamentais, percepção da
evolução intelectual (sem cair no erro cronológico), não perder de vista a
evolução intelectual do autor e a totalidade do seu pensamento, usar
comentaristas mais qualificados e alertar de seu caráter questionável, entre
outros aspectos. Dentre estes outros aspectos, que são muitos, mas não podemos
abordar no presente texto, podemos citar os problemas das traduções. Cabe ao
professor conhecer e indicar as melhores traduções, apontar erros de traduções
mal feitas, etc. No caso de O Capital,
de Marx, por exemplo, há apenas uma tradução confiável, que é o da editora Nova
Cultural e a tradução dos Manuscritos
Econômico-Filosóficos é em geral problemática, embora a da editora Boitempo
seja a pior de todas por ter pressupostos equivocados no seu interior (que,
inclusive, acaba substituindo trabalho alienado por “trabalho estranhado”, numa
opção não apenas “estranha”, mas equivocada pelo sentido que fornece ao
conceito de alienação ao substituir esta palavra por estranhamento). Da mesma
forma, o conhecimento das fontes inspiradoras dos clássicos ajuda em sua
compreensão, mas isto depende do tempo e grau de formação para que seja
incluído no processo de ensino.
Essas breves indicações de como ensinar
sociologia clássica é apenas um momento da formação do sociólogo ou cientista
social. Uma vez que passe a ter um domínio mínimo dos clássicos da sociologia,
ele fica apto a entender melhor os contemporâneos, que geralmente bebem na
fonte dos clássicos (inclusive dos erros interpretativos de muitos deles) e
para formar sua própria consciência sociológica, o que possibilita, inclusive,
a crítica dos clássicos. Mas toda crítica pressupõe domínio e por isso a
sociologia clássica é fundamental e pelo mesmo motivo todo sociólogo deve ter
um conhecimento básico e mínimo das obras dos três clássicos da sociologia:
Marx, Durkheim e Weber[5].
[1] “De um modo geral, os teorizadores são
pensadores afoitos com um impulso irrefreável para desafiar e contestar ideias
aceitas. (...). São, de um modo geral, extremamente inventivos, produzindo uma
hipótese atrás de outra. Einstein explorou todos os domínios da Física, abrindo
novos caminhos em mecânica, eletromagnetismo, teoria quântica, gravitação e no
campo unificado. (...) A tendência dos teorizadores é para se comprometerem
profundamente com suas ideias, defendendo-as muitas vezes com agressividade.
(...). Mas, que promovam ou não suas ideias, os teorizadores têm usualmente
grande confiança nelas, uma confiança que ajuda a resistir à oposição com que o
pensamento original tão frequentemente se defronta” (Kneller, 1980, p.
156-157).
[2] Além destes, é
possível citar o saber vulgar e o ritual. O saber vulgar é que apenas reproduz
o saber já existente, composto por aqueles que se dedicam exclusivamente à
atividade docente, o que alguns chamariam de “transmissão do saber”. Já o saber
ritual, ou “desqualificado” (não-saber científico, filosófico ou teórico) é uma
vulgarização ou simplificação de um pensamento complexo, que, nesse caso, se
mescla com representações cotidianas. A sua existência é derivada de formação
ritual, deficiente e geram representações mescladas, unindo aspectos do
pensamento científico, filosófico, etc., com representações cotidianas, que são
o que alguns denominam “senso comum” (Viana, 2008).
[3] Calvino apresenta um pensamento
semelhante ao afirmar que “os clássicos são livros que exercem influência
particular quando se impões como inesquecíveis e também quando se ocultam nas
suas dobras de memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou
individual” ou então quando afirma: “os clássicos são aqueles livros que chegam
até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás
de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou
mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)” (Calvino, 2007, p. 10-11).
Obviamente que as obras, autores, saberes clássicos, são clássicos por expressar
necessidades sociais vivas, atuais, e ao mesmo tempo, devido este
reconhecimento social, também são obras influentes, que inspiram novas obras,
autores, saberes, como ações, costumes, etc.
[4] Um conhecimento profundo dos autores
clássicos – o que se pode solicitar em pós-graduação ou em disciplinas
optativas mais especializadas em graduação – requer a percepção da evolução
intelectual do autor, pois muitas vezes se interpreta as primeiras obras como
se as ideias já estivessem desenvolvidas como em suas ultimas obras, o que
provoca equívocos interpretativos. A falta de contextualização histórica é
outro problema: O Manifesto do Partido Comunista, por exemplo, não se refere
aos partidos tal como conhecidos hoje, pois eles não existiam na época em que
tal texto foi produzido e poucos se atentam para isso.
[5] Alguns tentam, superficialmente,
criar “novos clássicos”, o que não resiste a uma análise crítica. Simmel e
Parsons não são e nem poderiam ser clássicos, pois nem possuem um
reconhecimento social suficiente, nem fundaram um saber original e permanente.
Nesse caso temos apenas aberrações acadêmicas derivadas de interesses de
tradutores e divulgadores de determinados autores.
Referências
ALEXANDER,
Jeffrey. A Importância dos Clássicos.
In: GIDDENS, Anthony e TURNER, Jonnathan (orgs.). Teoria Social Hoje. São Paulo: Editora da Unesp, 1999.
CALVINO,
Ítalo. Por que ler os Clássicos. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.
COHN,
Gabriel. Introdução. In: COHN, Gabriel (org.). Sociologia: Para Ler os Clássicos. Rio de Janeiro: LTC, 1977.
KNELLER,
George F. A Ciência como Atividade Humana. Rio de Janeiro/São
Paulo, Zahar/Edusp, 1980.
VIANA, Nildo. Formação Intelectual, Representações
Cotidianas e Pensamento Complexo. Educação
& Mudança, v. 2, num. 09, 2010.
_____,
Nildo. Introdução à Sociologia. 2ª
edição, Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
_____,
Nildo. Senso Comum, Representações
Sociais e Representações Cotidianas. Bauru: Edusc, 2008.
---------------------------------------------------------------------------
* Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Os Autores Clássicos da Sociologia no Ensino Superior. Contrapontos (Online), v. 13, p. 140-145, 2013.
https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/4247